O Banquete – Por Marcio Tito

O elenco e a forma como as presenças configuram o discurso, com linguagem radicalmente inscrita nos corpos e na moldura que os seres humanos revelam, dentro da pesquisa esteta, ainda não atingiu o nível que a dramaturgia acessa de maneira mais direta – bem como a dramaturgia ainda serve aos interesses da encenação, e tudo isso, no franco exercício de uma arte experimental e legítima, é somente trilha e percurso até uma obra cujos apontamentos, em si brilhantes, pregam no horizonte a história de um dos grupos mais bem antenados e conectados àquilo que, de modo geral, em nosso país, ainda configura somente uma suspeita acerca de nós mesmos.



Por Marcio Tito
@marciotitop

A forma ampla e o que está junto e ao mesmo tempo que o enredo – um largo projeto estético obstinadamente brasileiro e naturalmente em diálogo com outras linhas estéticas; um pulso instintivo, antropofágico e a linguagem coral enquanto macro-narrativa do Grupo Trapo:

Embora o texto visite, investigue e contradiga uma cultura específica – e tudo isso configure uma temática singular – os corpos e os temperamentos estéticos parecem debruçados acerca de outras matérias, logo, deste ponto – percebe-se que o Grupo Trapo, mesmo quando renova a fábula, insiste na exploração e no cultivo de uma pesquisa continuada, organizada e consciente daquilo que seria o espírito imortal do grupo. Revelando coesão estética, discursiva e filosófica, uma linguagem capaz de constantemente fazer-se presente e afinar o grande e delicado instrumento da obra surge e elabora junto ao código imediato uma segunda narrativa. De certo modo, ao discutir papéis de gênero ou religiosidade, e relendo à luz do contemporâneo a mitologia cristã, o Grupo Trapo deixa enquanto depoimento maior, por sua forma de montagem, neste segundo eixo, a ideia de que estará sempre absolutamente engajado na deglutição antropofágica daquilo que o cerca. Sendo assim, ao evocarmos a antropofagia e seus processos, abre-se uma nova linha de análise vinculada ao eixo da pesquisa continuada; a vinculação do grupo ao contexto “zécelsiano” e, desta forma, uma elucidação sobre como o grupo empresta um autoral e significativo passo à tradição do Teatro Oficina. O Grupo Trapo coloca seu pulso nos movimentos de onda do esquema carnavalesco de um samba-enredo e tal modelo, absolutamente inusitado e incomum àquilo que se vê na massa de espetáculos por aí, de maneira orgânica, nos permite ver a mecânica de uma cena de conjuntura coral e capaz de arregimentar uma série de vozes atravessadas pelo sentido de uma encenação que precede os corpos e as discussões em cena – ou seja – apresenta-se um sistema teatral capaz de permitir ao público uma miração subjetiva e capaz de declarar a essência de uma obra cênica cuja potência revela um mundo que está para além dos conflitos visíveis. Estruturando um código de cena cuja tônica está em uma vívida e presente consciência ética e estética sempre ao largo mas ao mesmo tempo introjetada ao esquema épico apresentado, o Grupo Trapo, mais uma vez, recorre ao samba-enredo e apresenta um material cuja totalidade transcende fatos isolados da cena e conjura um produto inteiriço e afinado sempre por um excesso de ações e sons coordenados pela temática central. Muriel Vitória, que há pouco encenou ” JORGE- UMA ODE AO CAVALEIRO DOS DOIS MUNDOS”, parece vincular-se ao modus operandi das encenações totais e sua disposição às “odes” configura um fôlego que além de único mostra-se bem-vindo ao contexto da cultura brasileira. O Banquete, de certo, poderia figurar também como uma “ode” ao texto bíblico (embora em chave crítica e de revisão).

Sempre apresentado pelo reflexo de um conceito importado a toque de caixa e precisando “rebuscar” estilísticamennte vanguardas europeias para assim dizer-se atento, o nosso teatro perdeu incontáveis chances de aprumar-se segundo demandas originais, tanto por isso, diante do conjunto de produções apresentadas por Vitória, uma obra cujas primeiras cenas aparecem atravessadas por um sem fim de interferências musicais, para além da narrativa, do meu ponto de vista, declara também um teatro seguro e avisado de sua própria macro estrutura – e que dedica-se a trazer ao jogo de cena o espírito estético de um movimento sensível e que organiza-se para além das obras em questão.



FICHA TÉCNICA
Direção e concepção: Muriel Vitória.

Intérpretes: Gui Vieira (Caim), Lis Santos (Lilith), Marília Luiz (Sara), Pedro Gonçalves (Adão), Suellen Santos (Eva), Well Nascimento (Umbra) e Zé Carlos de Oliveira (Abel).

Direção de produção: Diego Brito.

Iluminação: Jotappe Silva.

Cenografia: Heron Medeiros.

Fotografia: Marina Bisco.

Social media: Lis Nunes.

Vídeo: Isabela Fausferr.

Assessoria de imprensa: Verbena Comunicação.

Produção artística: Diego Brito e Edi Costa.

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