3 Poemas de Lia Petrelli

Ampliando o sentido e a forma, evocando outra organização simbólica ao espaço-tempo do suporte, Lia inscreve uma sequência de palavras e de não-palavras. Define pausas, silêncios, contrações e olhares. O texto-cena-vida da artista, irradiando subjetividade em todas as direções, precisa dizer qualquer coisa paralela ao impossível de ser dito, e assim reconhecemos o seu timbre – capaz de grafar gesto e voz.

Por Marcio Tito

Lia Petrelli • @liapetrelli • @assemica – Foto • Vicky V

bêbada escrevo peloamord’dios

Daí me a porra da autocrítica elevada ao enésimo vinco de foda-se!
como eliminar o ego do maldito retrocesso de
fazer o choro engolir-me nas lágrimas?
tsc, já me odeio outra vez
por sempre dar voltas
nas mesmas sempre coisas e
procurar de novo outro
motivo para me envergonhar e
outra vez, saltar a pensar
nas inúteis redordoses de amor
que não me largam a garganta!
principalmente quando
acontecem da coragem
de me embaralhar por coisa
mínima e me emocionar
por coisa estranha, no miúdo
do inútil, rebolar
permanecer — Alguém
caiu, e a moça ao meu lado sorri.
talvez seja só a palavra sem voz,
por mais que os ri-ritmos
pelo avesso,
se esbarrem em silêncio
na melodia que me
atravessa, é pois que
vem da música o espirar
e nada tem haver
com a voz que arranha ganha na garganta.
Nem sei o que diz.
Estivemos sempre
na penumbra do saber
ou fingir que sabemos
sentir quando na
r e a l i d a d e
nada sabemos
do que e nem nada sentimos

azul

[para ser lido ao som de A Nível De…]

sonhei que beijava sua menina que quem beijava sua
menina era eu

com medo de molhar a longa saia deixei lá no chão chinelo celular coração
do burburinho a confusão
estruturou-se o troca troca como canta o tal João

da ponte atravessada, empurrou-se n’água comigo, nem splash se escutou
pernas agarradas em meu tronco
braços no pescoço
no cangote apavoro

-queria comer comer arroz feijão salada beterraba agrião
purê de batata cenoura manjericão

e divertida dançava em mim
, na água ninguém pesa
cantou no meu ouvido e eram doces os lábios
da sua menina que me beijava dentro d’água
e dentro rolamos fundo adentro roçamos

no meio do beijo você mergulhou tão azul quanto a saia largada no chão
no fundo dos olhos senti suas mãos compridas
agarrarem
a bainha de meus pés
rodando feito peixe carnívoro batucando baião de dois três de quatro
enfurecido ou excitado não vi senti o tato

os finos lábios da moça não mais e a carne pegajosa de você invadiu minha língua barriga mundo contramão contratempo arrebentou minh’oração

-quero comer comer mulher caiobá mamão morango canção

cantava a moça na beirada cabisbaixa ‘que não foi chamada
p’ra dançar de pé com mão

Lêevitar

Gotas de sol arrebentam frestas.
Misto-sensação de enorme má feitoria estupefata.
Palavra lida é nada sem som.
Precioso ler em voz alta.
Como seres marinhos, se comunicam
ao som do silêncio

devolva-me o cheiro…………………………………..nostalgia começa por aí.

Aos poucos me engulo só. Tenho aqui saudade imensa. Não sei mais se existi.

Tão feroz.mente distante alcança sim pêlos pensamentos
discretas cores — sol que abraça — todo quê sente.
Cheguem mais perto; ao descabê-lo
preciso contar coisas do amor,
apalpar vento gritante.

Sei bem, escuta: pelo ar comunico
impossíveis murmúrios,
sóbrios sombrios muros
memória estraçalhada

São olhos que dizem coisas.
Aperto no peito, aos poucos, desfaz nós.
Viver rodeada de sentimentos abre dor feito facão, mata fechada.
De repente a autodestruição faz sentido —
em momentos, ver futuro é impossível
não somem fantasmagóricos estados de autossabote.

aprender a viver no que se vê machuca

Farfalhar do que acredito

Escrever é contrário a guardar _ às
pessoas todas querem ter razão, mas sequer existem:
caso sim,
não haveria necessidade de provar.
Não desfrutar de imagens-algodão soa estranho

Como trens desgovernados, mau-explicado presente,
nos preocupamos com poderà vir, negligenciando o próprio agora
— que nunca sai, que nos convive diapósdia
na terrível eminência de lidarmos com quem somos.

recebo de mim escutando as janelas:

a melancolia me bate os ossos
dura, como em car-ne-vi-va

o complexo

coisa nenhuma
a não ser corpo

nada nas entranhas (saber disso é muito
………………………e o nada vêm, do verbo nadar)

Lia Petrelli (paulista, 1996) é artista visual, psicanalista, poeta e videomaker. O corpo tece poéticas essenciais em suas obras, sendo elemento principal em suas investigações.
Em sua produção se destaca a pesquisa sobre a escrita assêmica, onde desenvolve laboratórios investigativos, oficinas e encontros lúdicos que misturam a escrita e performance. As oficinas são articuladas de modo independente, online, em centros culturais e em algumas unidades do SESC.  


É autora dos livros “Só eu penso assim?” (2020), “De dentro à flora” (Caravana, 2021). Participante do Coletivo Escrivaninha, participa da coletânea de contos “Itinerários para o caos” (Folhas de Relva, 2022), como autora e ilustradora.  

“Lia escreve pelas mãos, costura palavras-sentidos-sensações. É a anti-penélope que tece viajando por águas profundas. O fio que rasga o tecido, que rasga a pele. O emaranhado entre visível e invisível. Que ata histórias e que também arrebenta, porque a vida muitas vezes transborda. (por Juliana Pautilla)”

Links • Instagram: @liapetrelli    |    @assemica
youtube: https://www.youtube.com/channel/UCY8Rc6wP77txQth2qRTNQyQ
https://www.youtube.com/@escritaassemica7393  

Fotografia de Vicky V. @_vickyve

 

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