,Documento Produção. Aproximações e tensões entre o presencial e o digital

Por Marcia Marques.

Primeiros na pausa. Últimos na retomada.
Primeiros na pausa. Últimos na retomada.

Este documento de raríssima multiplicidade procura apresentar de modo breve, porém analítico, alguns comentários e outras intuições acerca do trabalho de produzir festivais num distante país chamado Brasil. As tensões e semelhanças do momento aparecem enquanto estertores de uma atividade fundamental, legítima e da maior importância.

Nossa convidada, a produtora e amiga Marcia Marques, aceitou o convite e articulou com Marcio Tito este documento que, sobretudo, se pretende incompleto, mas, acima disso, se enxerga enquanto a mais possível abertura de diálogo nessa hora.

Larissa Maine & Marcia Marques

Marcia Marques – Quais as diferenças de se produzir um Festival nos dias de hoje, virtualmente?

Larissa Maine – Há um deslocamento dos papeis tradicionais. A figura do produtor, em tempos normais, está presente desde as etapas de criação do projeto até a apresentação da obra. Na dinâmica virtual ficamos sem demanda de trabalho, já que funções como a organização de recursos acumulou para os artistas, e a articulação de profissionais e técnicos desapareceu, devido ao distanciamento social. O produtor, que já é uma figura meio “polvo”, que precisa dar conta de tarefas diferentes, ainda precisou aprender a fazer Live, dominar o Zoom e a produzir conteúdo para redes sociais. No TEIMA que é todo virtual, nosso trabalho esteve mais concentrado na logística de exibição das obras que recebemos prontas ou já em processo de finalização, e nos esforços de divulgação junto à assessoria de imprensa e social media. Enquanto em um festival “físico” estaríamos envolvidas nos ensaios, na concepção artística, na articulação do grupo com o espaço que receberá a obra, com cada profissional envolvido etc.

Marcia Marques – Quais os elementos / atrativos que você tem incorporado para atrair (e manter) a audiência durante as transmissões?

Larissa Maine – O tempo médio de permanência do público na primeira edição do TEIMA nos surpreendeu muito positivamente. As pessoas acessavam para assistir uma obra específica e acabavam permanecendo por horas. Acho que a diversidade de linguagens é um atrativo, assim como a forma intercalada que montamos a programação: você vai ver uma peça de teatro bem falada seguida de um show de música ou de uma dança, e assim por diante, de forma que a experiência se torna leve e dinâmica.

Marcia Marques – De que forma a LAB movimentou a área cultural?

O ProAc LAB foi um respiro para o setor artístico. Recuperando o que falávamos na primeira pergunta, produtores e técnicos, por exemplo, ficaram isolados durante quase todo o primeiro ano de pandemia, porque muitos espaços começaram a contatar diretamente o artista para apresentação de fragmentos ou de adaptações de obras de forma simplificada, sem o envolvimento de equipes, a fim de cumprir o distanciamento social. Embora o distanciamento permaneça e a pandemia não tenha acabado, os editais da Lei Aldir Blanc deram um gás em novas produções envolvendo equipes maiores, ainda que trabalhando de maneira remota, como fizemos no TEIMA. Agora, a questão é o que será depois. Um edital apenas não irá nos salvar e a política de desmonte do governo contra a cultura continua repercutindo. Precisamos de mais políticas públicas que garantam que continuaremos tendo trabalho enquanto a pandemia durar.

Marcia Marques – O que você leva em consideração para a escolha das plataformas de transmissão de acordo com o tipo de produção exibida?

O tempo de exibição é um fator primordial. Para a transmissão de peças, shows ou obras pontuais, o YouTube e o Instagram têm servido como boas plataformas. No caso do TEIMA, que conta com horas seguidas de programação (na 1ª edição foram 12 horas ininterruptas), precisávamos de uma plataforma que garantisse completa estabilidade e qualidade da conexão. Para isso, fizemos uma parceria com a plataforma Netshow.me, especializada em streaming de eventos. Este ano a parceria continua e aumentou: serão três sábados de transmissão, totalizando mais de 15 horas de programação cultural.

Gabi Gonçalves & Marcia Marques

Marcia Marques – Ao seu olhar, o que se ganha e o que se perde em fazer Festivais de maneira online?

Gabi Gonçalves – Bom, o que se perde, mais do que qualquer outra coisa na minha opinião, é que o festival é um espaço de encontro, um espaço de troca muito importante. Nesse ambiente de festival sempre se fazem parcerias. Trabalhos novos podem surgir, porque você se conecta, às vezes, com um trabalho que você não havia pensado porque você conhece um artista, ou se conecta a um artista que te provoca um novo trabalho, uma nova pesquisa… E poder estar junto, né? Essa é a grande maravilha que a gente deseja que seja possível, e o festival tem esse poder.

Então a gente perde quando faz online. O online, de qualquer maneira, na maioria das vezes tem uma fruição solitária. Porque você tem ao seu dispor o horário que você quiser, o espaço que você quiser. Você pode ver na cama, cozinhando. Ou se organizar para ver aquilo dentro de um sistema de horário. Apagar a luz e ver. Mas, sobretudo, há uma ação solitária.

Então o que se ganha é o encontro, no ao vivo. E, o que se ganha no online, é poder chegar longe e dar acesso a mais pessoas. Mais gente, em variados lugares, podem usufruir do mesmo conteúdo ao mesmo tempo. A perda é essa. Não estarmos juntos. Mas, no online, o acesso.

Marcia Marques – Quais os maiores desafios encontrados para fazer festivais nos dias de hoje?

Gabi Gonçalves – Acho que os desafios, em alguns casos, se mantêm. Conseguir recurso, isso para os festivais, será um desafio brutal pro futuro (nessa escassez de recursos). Normalmente são ações que necessitam de muito dinheiro, e os editais conseguem abarcar parcialmente por conta dos valores altos. Por ser algo que acontece por um período e acaba também, como um evento. Isso sempre foi desafio, e agora vai ficar maior. Também entendermos o desafio da linguagem. De trazermos pra junto, pra perto, pro nosso modo de pensar e produzir, a linguagem digital.

Essa linguagem digital, a possibilidade de uma linguagem híbrida. O que é? A gente não sabe ainda, mas intuo que ela veio para ficar. Mas talvez ela venha pra resolver algumas das nossas perdas, essas que citei acima. Se soubermos usar essa nova estrutura, sem negarmos o momento, talvez o desafio dos recursos encontre os desafios das novas possibilidades e…

Claro, não sabemos aonde isso pode nos levar, mas essa é um pouco a graça de tudo isso!

Marcia Marques – Quando tudo isso passar, você acha que as pessoas voltarão a participar dos Festivais presenciais com a mesma intensidade?

Gabi Gonçalves – Olha, para te responder isso com verdade, eu precisaria especular. Não sei dizer isso agora. Só tenho certeza que as pessoas participarão. A intensidade… depende de algo anterior. Algo que tenho pensado. Algo anterior a participar ou não pensar, mas pensarmos a nossa “represença”. Uma pensadora fala muito sobre isso. E ela dizia isso muito antes de vivermos esse caos no mundo e em especial no Brasil. Então antes de entendermos o nível de participação ou a volta, precisaremos entender como o corpo vai estar nessa paisagem, e quais intensidades ele vai suportar. Será uma coisa lenta. Que vai precisar de tempo. Por isso precisamos abraçar esse novo momento, essa linguagem que se apresenta, sem negar. Mas uma hora nos encontraremos outra vez, olho no olho… e o toque. O toque vai voltar. E isso tudo precisamos entender sem pensar no passado. Aquilo que ficou no passado já mudou. E vai mudar muito mais, quando o toque se mostrar como possibilidade outra vez para nós. Um desafio e tanto…

Anexo *

1 ano de pandemia, reflexões sobre a nossa produção artística brasileira

15 de março de 2020 – Por Gabrielle Araújo

Há um ano eu e a minha produtora – a Caboclas Produções – produzimos e encerramos o último dia do projeto “Revelando Hilda Hilst” com uma leitura dramática de “As Aves da Noite” de Hilda Hilst com direção de Sandra Corveloni no MIS – Museu da Imagem e do Som de São Paulo. Naquele momento, a pandemia do coronavírus era uma incógnita, mas a velocidade do vírus e do número de mortes no Brasil e nos demais países do mundo começaram a ficar assustadores. Nos trancamos em casa exatamente no dia seguinte e seguimos em constante isolamento social até hoje.

De lá para cá, nós, trabalhadores e trabalhadoras da cultura, sofremos muito. O nosso setor foi o primeiro a parar e – muitos diziam – o último a voltar. Obviamente mal imaginávamos o que estava por vir…

O choque ao constatar que a situação estava se agravando e que iria bem mais longe do que imaginávamos, fez com que muitos de nós entrássemos em desespero.

Mas como escreveu o querido dramaturgo Amarildo Félix: “Criar é dar ordem ao caos”. Foi então que a partir das impossibilidades, começaram a surgir os experimentos virtuais, onde, finalmente, os artistas do mundo inteiro começaram a explorar mais as ferramentas na web (Zoom, StreamYard, Skype, Instagram etc.), e, aos poucos, o que antes era presencial, se tornou on-line.

Perdemos o público presencial, mas rompemos barreiras geográficas. Muitos espetáculos virtuais brasileiros receberam em sua plateia virtual pessoas de diferentes estados e, inclusive, países. Produções on-line como as realizadas pelo grupo Os Satyros, foram internacionalizadas ganhando versões em outros idiomas e coproduções internacionais. Já o grupo pernambucano Magiluth fez uma excelente temporada virtual com o projeto “Tudo Que Coube numa VHS” em que experimentaram uma interação mais íntima com o público usando ferramentas como Whatsapp, Instagram e outras redes sociais. Com o aumento da demanda, os festivais, aos poucos, foram se adaptando, e começaram a criar panoramas do que estava sendo produzido de melhor pelo Brasil (e também no mundo).

Aos poucos tod@s entenderam, sem exceção, que a tecnologia veio para ficar e a necessidade de aparelhagem, gambiarras técnicas e entendimento das plataformas foi crucial para sobrevivência do setor, mesmo que signifique encararmos os abismos sociais e de acesso para que isso aconteça de forma horizontal. Os artistas movimentaram as redes e finalmente o governo entendeu (tardiamente) a necessidade de se criar editais e prêmios para as ações virtuais, e até hoje muitos de nós ainda estamos no processo de entender e reconhecer a importância de se pensar a tela audiovisual e as multiplataformas nas produções artísticas.

Em 2021 começaram a surgir experimentos cênicos na nova rede social queridinha no mundo: o Clubhouse. E muito provavelmente as performances sonoras serão, em breve, as novas queridinhas dos artistas em tempos pandêmicos.

Apesar do preconceito inicial com esse tipo de produção virtual, reconhecemos ao longo do tempo que o teatro acontece na junção da obra, do artista e do público num mesmo tempo-espaço, que agora é virtual, mas que também abre inúmeras possibilidades futuras de experimentação para lembrarmos não só sobre a produção nesses tempos sombrios, mas também para criarmos novos formatos a partir de tudo que ainda virá.

Agradecemos pela leitura da nossa entrevista.

,Sobre as autoras:

Gabrielle Araújo é atriz, comunicadora, gestora e articuladora cultural. Diretora da Caboclas Produções.

Instagram: @gabrielleaaraujo @caboclas

Larissa Maine é graduada em Comunicação Social – Jornalismo na Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) e pós-graduada em Gestão de Projetos Culturais pelo Celacc- USP (Centro de Estudos Latino Americanos de Cultura e Comunicação). É produtora executiva na Ventania Cultural e nos projetos que a empresa representa, além de coprodutora e realizadora do TEIMA – Festival de Artes Online em parceria com a RIMA Coletiva e Cotiara Produtora.

Instagram: @alarissamaine

Gabi Gonçalves é produtora de ações culturais, que movimenta um recorte específico do fazer poético-artístico hoje na cidade de São Paulo e em outros territórios ainda possíveis, ligada a Corpo Rastreado (www.corporastreado.com). Do final da década de 90 até o presente momento, carrega no corpo sua formação em dança pela Unicamp (1998), Comunicação das Artes do Corpo (2002) e também é Doutora em Comunicação e Semiótica (Comunicação e Produção Cultural no Brasil – um estudo sobre os operadores do desamparo e ações bio-políticas – 2016), ambas pela PUC – SP. Coordenadora de produção de eventos como: Virada Cultural Paulista (2009 e 2010), MITsp (2014 e 2015), Festival Contemporâneo de Dança desde 2016 e criou em parceria com Natalia Mallo o Risco Festival. Em 2020 iniciou a Faroffa (prêmio APCA 2020), projeto que surgiu de uma provocação da MitSP, sobre a importância de uma cena off durante a Mostra. Em 2020 já fizemos duas edições, uma presencial e outra no sofá.

Instagram: @gabigodot @corporastreado @corpo_a_fora @faroffasp

Marcia Marques é diretora da Canal Aberto, empresa especializada em projetos culturais, atuante no mercado desde 1993. Formada em Relações Públicas na FAAP, desenvolve estratégias de comunicação para as principais companhias e artistas do país nas áreas de teatro e dança, assessora eventos importantes como o FCD – Festival Contemporâneo de Dança de São Paulo, a MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, a FarOFFa no Sofá, o Risco e o mOno-festival, e esteve à frente de algumas edições do Mirada, FIT – Festival Internacional de Teatro, Circos, Festival de Música de Câmara, estes últimos realizados pelo Sesc São Paulo.

Instagram: @canal_aberto @marciamarquesnovaes

Site: www.canalaberto.com.br

Festival Teima:
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