,Tintas fugazes – Entrevista com Rodrigo Yudi Honda

Por Marcio Tito.

Pintura a óleo Brasil copa do mundo pobreza centro solidão cores
Feriado Nacional – 17/06/2018 – Óleo sobre tela – 50x70cm

Não foram poucas as vezes que o trabalho do artista Rodrigo Yudi Honda apareceu como uma “estreia” nas redes sociais, com milhares de compartilhamentos e curtidas.

Para olhos atentos e inclinados a perceber a antropofagia da notícia nesse começo de século, o que se via era sempre o retorno do singular e atemporal trabalho de Honda.

Naturalmente, Honda, cujo trabalho expressa uma contundente organização, por meio dos signos de uma poética delicada e quase nunca metafórica, merece lugar cativo na hora de balizarmos o que poderia e pode construir um comentário visual, cuja forma e o conteúdo corporificam, sobretudo, importantes sentimentos da vida brasileira.

Quase sempre, quando viraliza aquilo que é alma destinada a resolver o modo zumbi das redes, surge bastante furor.

Esse justificado frisson, da forma como entendo, eleva o trabalho de Honda ao nível de “baliza cultural para o começo desse século na internet brasileira”.

Suas telas, nunca abstratas, e sempre nítidas em fazer da paisagem um protagonista sólido e perceptível carregam, sobretudo aos olhos dos brasileiros paulistas, um charme de ser coisa nossa, de ser retrato fiel e adequado para e ao o povo que voluntária e involuntariamente produz essas paisagens, esses tons e espírito.

Suas extraordinárias produções fazem o mundo tornar-se épico quando capturado na moldura do artista, e assim, adequando esse mundo à ideia de ele mesmo narrar a si (esse mundo, mesmo que deflagrado pela desordem das cidades, da economia e da periferia, ganha vida quando articula uma outra cultura dentro da cultura branca e burguesa que luta para ter hegemonia no espaço urbano).

Honda apresenta um recorte capaz de celebrar o tempo presente, mas nem sempre essa celebração causa festa em quem vê.

Muitas vezes, como um Almeida Júnior dentro da periferia urbana de agora, Honda pinta gente simples em suas atividades simplórias, ou, em outras oportunidades, porém sem fugir da paleta, temos os ares de um Edward Hopper árido e terceiro mundista, que percebe o cotidiano assim como Johannes Vermeer fez no passado.

Longe do realismo sumário, e sem estar convertido ao fetiche da pretensa abstração, Honda deixa claros os limites entre representar e sentir, e esse limite grita quando não mais notamos cores e formas, mas sim seu projeto especial, ou seja, essa forma de convidar os símbolos ao quadro e o espectador a simbolizar-se ali: diante desse espelho espiritual e inexato.

Questões elaboradas

Com Guilherme Paranhos Paes.

MT – Muitos segmentos das artes visuais são presenciais também. Ou se preferem presenciais. O seu trabalho surge para ser digital, e sendo digitalizado, resiste àquilo que outros artistas apontariam como “mérito da presença”? Estar presente no mesmo ambiente que a obra, no seu caso, é diferente de acessar o quadro em um tablet, smartphone ou computador para você?

RH – Ver uma pintura pessoalmente é sempre diferente de vê-la num celular ou computador. Ao vivo, você tem a noção da escala da obra e as texturas sutis da superfície, coisas que não são percebidas numa reprodução digital.

Além disso, tem a questão do contexto espacial: Ver uma pintura numa sala pequena de casa é diferente de vê-la num grande saguão de aeroporto. O entorno influencia nossa percepção da obra.

MT – Então a sua tela perde quando posta no espaço digital?

RH – Não diria que “perde”, mas ganha um outro sentido. O modo como as imagens transitam nas redes sociais confere a elas um outro caráter. É diferente você ver uma pintura num museu e vê-la na timeline do Instagram. Não é só uma diferença física, é uma diferença de percepção simbólica.

MT – Honda, por que os ricos não aparecem? Ainda que você represente nas obras o seu cotidiano e a sua experiência com a cidade (Ideiafixa – http://www.ideafixa.com/posts/a-brasilidade-urbana-de-rodrigo-honda), como seria se amanhã você fosse vitimado por uma grande fortuna que o surpreendesse? O artista ficaria deslocado então? Você pintaria o que lembrasse ou pintaria a varanda gourmet dos seus vizinhos?

RH – Essas discussões classistas não estão no escopo de meu trabalho.

MT – O seu céu tem vitalidade, as pessoas se misturam aos objetos e quem, quase sempre, me faz sentir de fato a presença humana em seus quadros é o cão. O animal que olha. Que defeca e para. Investiga essas coisas comigo? Alguém já trouxe sentimento parecido até você?

RH – Essa pergunta está incompreensível…

cachorro cagando risada pintura a óleo azul marrom
Jornal Velho – 17/03/2020 – Óleo sobre tela – 30x30cm

MT – O que dizem das suas telas e como você organiza essas opiniões?

RH – Na maioria das vezes, recebo elogios. Isso, é claro, é gratificante. Mas também sei que os elogios podem ser perigosos, pois eles são como um canto de sereia: Se você se deixar seduzir, vai afundar na vaidade. Os elogios te dão uma sensação de prazer e isso serve como uma pílula de dopamina, que te deixa viciado e escravo da opinião alheia. O processo artístico, quando honesto, é uma busca solitária. Por isso, é importante a gente saber separar bem o que é a opinião alheia (positiva ou negativa) e o que são nossas verdadeiras buscas.

MT – Algum artista já realizou o que você tenta alcançar? Se sim, qual? Se sim, hoje você busca revisar esse artista ou avançar suas pesquisas?

RH – Eu não tento alcançar ninguém. A prática artística não funciona desse jeito que as pessoas imaginam. A gente, naturalmente, toma esse ou aquele artista como modelo, como exemplo, mas essa admiração serve apenas como um ponto de partida, e não como ponto de chegada. É durante o fazer artístico que vamos definindo nossos rumos. Quem vive nossa vida somos nós, e não nossos ídolos.

GPP – A arte contemporânea, que bebe da fonte do começo do século XX em suas técnicas e composições, elabora as questões tecnológicas de seu tempo. Suas obras resgatam técnicas de pintores do século XVII e geram um embate com o que se caracteriza como contemporâneo. Você vê assim? O que vale mais em seus quadros, a narrativa ou a técnica? Seu trabalho é mais século XVII que século XXI? E sob qual intenção?

RH – Essa pergunta está repleta de equívocos:

A pintura a óleo existe desde o século XIV e desde então nunca deixou de ser empregada. Os séculos XX e XXI estão repletos de grandes pintores tradicionais, mas esses artistas são ocultados da narrativa histórica oficial por conveniências ideológicas.

Sua pergunta denota a concepção que muitas pessoas têm de que cada época seria uma página de uma grande narrativa histórica linear, e que cada umas dessas páginas representaria um sistema de pensamentos e valores unívoco. Por conseguinte, se você não corrobora com os valores “dessa época”, você é automaticamente classificado como alguém retrógrado. Diante disso, o artista contemporâneo do mainstream estabelece um fetiche por essa lógica de “marcha histórica” e fica o tempo todo correndo atrás da última novidade, pois isso lhe dá o conforto psicológico de se sentir pertencente à “nossa época”.

É importante frisar que por trás desse aparente vanguardismo, o mainstream artístico tem vivido apenas de lugares-comuns, repetindo jargões massificados do tipo “seja você mesmo” ou “seja diferente”. Hoje em dia, todo mundo quer ser diferente. E, ironicamente, querer ser diferente é o que torna todos iguais.

Se “fazer parte do século XXI” significa, pra você, pertencer a essa mentalidade massificada e novidadeira que caracteriza “nossa época”, então eu não faço parte disso mesmo! Eu não estou na moda e não faço questão de estar.

GPP – Do ponto de vista estético em paralelo a outros trabalhos de artistas visuais do século XXI, como você caracteriza sua produção?

RH – “Artistas visuais do século XXI” … Mais uma vez, essa pergunta denota essa visão simplificadora da realidade que vê uma determinada época como um sistema unívoco de pensamento. Existe arte de todo tipo dentro e fora do mainstream… Diante dessa heterogeneidade, naturalmente eu me identifico mais com alguns e menos com outros.

ponto de onibus viaduto pintura a óleo grafiti cinza centro
Ponto de Ônibus – 04/07/2017 – Óleo sobre tela – 60 x 80 cm

GPP – Qual o peso da técnica e da narrativa nas elaborações?

RH – A técnica é a própria substância da arte. Qual o peso do idioma numa poesia? Essa pergunta não tem como ser respondida, pois a poesia é indissociável do idioma.

Aqui está posta a natural fissura entre produzir imagens, filhas do ser que as concebe segundo seu aparato social, filosófico e técnico, e a força intelectual, histórica e subjetiva que os outros, os editores e críticos, exercem na hora de fazer com que o indizível da arte participe do alfabeto simbólico coletivo.

Nunca as análises devem trancar as obras, mas, no século das provocações, posto que nesta época tudo é risco após a desordem, parece irresistível apresentar ao artista este formato de questionamento.

Essas entrevistas, ou questionamentos, que lutam para não terem as respostas do artista como protagonistas maiores, trazem justamente essa fricção. Quando acontecem, como ensina a psicanálise: As palavras escorregam, faltam ou sobram, se atropelam entre o impulso e o significante.

O site Deus Ateu atesta estar correta a fala acima, acerca dos séculos, elaborada por Guilherme Paranhos. Honda diz o contrário, porém, pouco importa provar a história ou não, diante de sabermos que esse confronto entre formações e pontos-de-vista deflagram justamente os retratos que melhor biografarão o entrevistado num futuro distante, tal qual os entrevistadores e essa editoria. Quando tudo for memória, que esse formato seja ainda uma intuição.

Assim, fosse mesmo Hopper diante do Deus Ateu, perguntaríamos qual a razão dos solitários estarem vestidos e não nus no balcão dos bares noturnos, ou perguntaríamos o que motivou Almeida Júnior a desaparecer com os animais diante da porta, ao lado da fruta e do caipira. Essas perguntas, mais ou menos baseadas em ideias, são o justo frescor dessa editoria que quer e não quer gestos consequentes, e que precisa permitir certas confusões diante das tantas restrições.

Em busca de fazer com que a voz da obra traia a boca do artista, empilhamos paradoxos. E tudo isso sobrepõe o tempo presente, e sobrepõe também as tantas contradições impossíveis de serem completamente respondidas.

Está posto o artista. De modo impreciso. Em tintas fortes, porém fugazes.

boteco sinuca cerveja amigos fim de tarde pobreza
Happy Hour – 27/09/2018 – Óleo sobre tela – 70x50cm

Agradecimento especial: Daniela Coutinho Magro.

Ao leitor, obrigado por ler a nossa entrevista.

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Texto informado pelo entrevistado:

Sou Rodrigo Yudi Honda, nascido e residente em

São Bernardo do Campo

SP, Brasil.

Meus trabalhos são fruto do esforço em me aprofundar no ofício da arte, em seus aspectos técnicos, sensíveis e conceituais.

O interesse que tenho pelo desenho desde a infância veio a influenciar minha decisão em cursar Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (FAUUSP), onde me formei em 2012. Cheguei a trabalhar por um breve período em projetos de arquitetura e engenharia, antes de decidir me dedicar à pintura e ao desenho.

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https://www.rodrigoyudihonda.com/

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