O Vazio da Mala – Por Marcio Tito

Por Marcio Tito • @marciotitop

Na hora da escrita, naturalmente, acessamos algumas lentes. Os filtros e as convenções mantém constante diálogo com as nossas meditações em arte e cultura. Pois bem. Algo que sempre expresso aqui, e que, em alguma medida, ergueu-se como regramento para o meu destrambelhado processo crítico, é a forma como elencos extraordinários simplesmente resolvem qualquer imperfeição presente no material. Na esteira, exibindo mais algumas destas configurações, e transmutando-as em opinião e conceito, falo sobre como são raros e luminosos os trabalhos cujos acertos aparecem simetricamente equivalentes e perfeitos em suas mais profundas particularidades. Embora o enredo seja bastante simples, como em uma boa novela, tudo funciona e seduz os olhares da plateia. Achamos graça e visitamos o êxtase e o pavor quando enfrentamos frases de efeito ou retornos parcamente heróicos ou modestamente triunfais. Queremos enxergar para além daquilo que o palco nos entrega e não ficamos nunca satisfeitos com as razões apresentadas. Todas estas, estratégias que magnetizam a platéia, são inteligentes e complexos expedientes naturais e fundamentais ao funcionamento do bom e popular teatro. Sendo assim – e agora finalmente citando o objeto analisado – O Vazio da Mala salta aos olhos e coopera em cena um organizado e bastante direto organismo melodramático. Por vezes, talvez pela constante resistência da classe ao gênero, o material procura debater-se. Porém, tanto na vida quanto na arte, como se sabe, as vocações são sempre inescapáveis – e aqui está o ponto! Melodrama é meio porre mesmo. A gente se cansa de gostar e querer acompanhar tanto daquilo. Mas melodrama, por si, e quando bem feito, funciona muito. E agora eu finalmente aperto o laço – porque eis aqui a grande construção do elenco: Enquanto o texto corre em direção às qualidades do formato, e a direção segue um pouco constrangida por atender às demandas mais evidentes, o excelente elenco faz a única coisa que deveria fazer. Simplesmente não se enfia na disputa insalubre e cria excelentes relações interpessoais. Em registros pouco equalizados, mas sempre disponíveis e magnéticos, o quarteto de interpretações elabora fios, novelos e nós organizados como uma trama que, adiante, será a grande rede de segurança capaz de rechear com excelentes metáforas a inicialmente frágil metáfora contida na mala que empresta título ao texto. Pode-se dizer que a direção acerta na direção de atores e não se decide por completo no caso da encenação ou da simbiose com a dramaturgia? Seguramente. Contudo, já tendo citado a ausência de unidade e os destaques individuais, parece mais sensato vincular os aplausos ao conjunto das atuações. Em linhas gerais, mas sem generalizar os acertos: Emílio de Mello realiza algo profundamente refinado e capaz de revelar uma brutal experiência de palco. Um infinito cardápio de interioridades e ritmos. Dinah Feldman, única, pontua com excelente técnica momentos cruciais do texto e novamente cria uma figura quase inteiramente organizada pelo seu excepcional trabalho de voz. Fabio Herford, em papel mais frágil, também entrega desenhos inusitados e alcança o limite da personagem. E Noemi Marinho… Noemi. Marinho. Uma gigante. Capaz de fazer o teatro do mundo agasalhar-se em sua sensível reconstrução da vida. Por fim, um dia mais especiais elencos de toda a temporada.

Ficha Técnica
Dramaturgia: Nanna de Castro. Direção: Kiko Marques. Elenco: Dinah Feldman, Fábio Herford, Emílio de Mello e Noemi Marinho.
Concepção e idealização de Dinah Feldman. Gregory Slivar (trilha sonora), Márcio Medina (cenário), João Pimenta (figurinos), Louise Helène (visagismo) Wagner Pinto (luz), André Grynwask (videomapping) e Marcela Horta (direção de produção).

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