Por Marcio Tito • @marciotitop
Partindo de uma inteligente e profunda atualização do contexto original, encampando novas e renovadas imagens ao imaginário do material inicial e sobrepondo à obra de Igor Stravinsky dinâmicas do Kuarup e do Alto Xingú, a Cia Deborah Colker revisa a Sagração da Primavera, reforma o olhar brasileiro acerca das paisagens do Brasil profundo e, no campo da estética, desabrocha um espetáculo cuja grande especificidade e identidade aparecem na produção de uma obra atavicamente unida às cenas de ação e às coreografias de lutas maravilhosas e apresentadas com apuro e refinamento inigualáveis.
O caráter resoluto da montagem – representado pela simplicidade dos objetos de cena e apresentando cenários tão narrativos quanto capazes de conduzirem os sentidos da plateia ao tempo-espaço das sensações sugeridas pela reestruturação da canção base – converge em uma via única, bem definida e absolutamente consciente acerca do papel e do dever simbólico de cada pequeno detalhe acima do palco ou abaixo do bem tramado e coeso jogo de luzes e sombras.
A naturalidade com que a montagem constrói atmosferas, ambientes e dramaticidades coletivas ou individuais empresta variados níveis de catarse ao já conhecido enredo, contudo, de maneira a colocar-se um pouco paralela às demandas da sinopse, a Cia Deborah Colker dá-se também a um projeto de perfeição cuja sintaxe e o produto final dizem acerca das artes e do Belo – para muito além do valor comunicacional, catártico ou civilizante de uma fábula encenada.
Ponto alto da cultura brasileira, equiparando o nosso produto artístico a qualquer outro expoente contemporâneo, o espetáculo Sagração está para as artes cênicas brasileiras como a Bossa Nova esteve para o mundo.
Objeto de grande valor estético e formal, imprimindo a nítida fisionomia de uma “escola” com vocabulário próprio e resultados extraordinários, o espetáculo Sagração coroa o final desta primeira temporada de teatro na cidade de São Paulo e reafirma a Cia Deborah Colker enquanto aquilo que atravessou tempos difíceis e hoje, em um ambiente menos dramático e mais otimista, realiza um material capaz de resistir aos mais variados e rigorosos topos de análise.
Um espetáculo verdadeiramente extraordinário e fruto de uma indiscutível decisão pela vida.
Criação, Coreografia e Direção
DEBORAH COLKER
Direção Executiva
JOÃO ELIAS
Direção Musical
ALEXANDRE ELIAS
Dramaturgia
NILTON BONDER
Direção de Arte e Cenografia
GRINGO CARDIA
Desenho de Luz
BETO BRUEL
Figurinos
CLAUDIA KOPKE