cHÃO – Por Marcio Tito [ Especial Festival de Curitiba ]

Dos mais intensos, técnicos e especiais elencos das artes brasileiras – cHÃO



Por Marcio Tito
@marciotitop

Quando o objetivo for a instauração de um não-lugar, é certo, um sem fim de possibilidades poderá surgir na cena: Erigir um código e torná-lo oculto, estabelecer uma linguagem e mantê-la em secreto, abrir e fechar portas, dizer e desdizer coisas ou simular uma linguagem podem ser algumas das possíveis estratégias.

cHÃO, com direção Marcela Levi e Lúcia Russo, opta pela construção de um código que forçará o nosso olhar em direção ao tempo que se quebra e ao espaço que se lança. É não-lugar orientado pelo fragmento e é um fragmento que se soma ao fragmento e abre portais de sentido.

Calidoscópicamente, incidental e telúrico, o espetáculo se mostra estranhamente dodecafônico e pop. Comenta e legenda compassos, torna atabalhoadas regras científicas da música e da dança, contudo, durante todo o percurso, seja como for, talvez até mesmo enquanto demarcação de linguagem – toca e dança, toca e dança, toca e dança e toca e dança.

Luiz Gonzaga e Chuck Berry, funk carioca e música eletrônica surgem como se fossem os últimos vestígios sonoramente pictóricos de uma tribo cujo grande sentido está no avesso dos corpos, das danças, dos passos, das pausas, dos ritmos, das marcas e das marcações.

Duchamp tornou-se o Duchamp legado às modernidades da arte contemporânea quando passou a performar outros modos de montagem para o corpo das obras que realizava, mas não sem apresentar certo comentário otimista e pessimista acerca dos objetos eleitos.

Objetos possíveis de reprodução ao infinito, ou objetos cujo primeiro significado não surgisse enquanto elevado ou profundo foram os favoritos. Vasos sanitários, rodas e hélices fizeram parte do processo porque poderiam representar os restos de um mundo fraturado entre o belo e o ordinário – como fossem também os futuros destroços e a futura paisagem de um mundo arrebentado por uma bomba atômica.

Sendo assim, imaginando um planeta Terra devorado por uma grande explosão, e elegendo os paus e as pedras do apocalipse enquanto possibilidade de obra num contexto de final, Duchamp criou o seu universo head-made.

Deste ponto de vista, imaginando que uma grande explosão roubou a época do espetáculo e tornou dodecafônica toda a canção possível, cHÃO ganha uma estranha possibilidade de cenário – a beira do abismo (ou seria o centro de uma pandemia?).

Nâo podemos definir se toda a dança apresentada em cHÃO está a um passo do fim do mundo, mas também não poderíamos negar a possibilidade desta mesma dança configurar, a um só tempo, o passo anterior ou o passo posterior ao final da vida…

cHÃO, seja como for, comemora estarmos vivos – seja porque a vida resiste, seja porque a vida resistiu, seja porque a vida resistirá…

É como ver um corpo no ar – e jamais sabermos se está em elevação ou queda.

É como vermos um pé pausado no ar – e jamais sabermos se adiante ele pisará um passo firme ou, quem sabe, cairá vitimado por um golpe ou por uma queda qualquer…

 

Ficha Técnica

Concepção e direção: Marcela Levi & Lucía Russo

Performance e cocriação: Alexei Henriques, Ícaro Gaya, Lucas Fonseca, Martim Gueller, Tamires Costa, Washington Silva

Interlocução: Ana Kiffer, Felipe Ribeiro

Assistência: Lucas Fonseca, Tamires Costa

Desenho de luz e direção técnica: Laura Salerno

Desenho de som: toda a equipe

Figurinos: Levi & Russo

Assessoria na sonorização: Diogo Perdigão

Registro em vídeo: Sergio López Caparrós

Edição de vídeo: Renato Mangolin

Fotografia: Emily Coenegrachts, Renato Mangolin

Produção e realização artística: Improvável Produções

Coprodução: Kunstenfestivaldesarts, Kaaitheater, Julidans, PACT Zollverein, Something Great

Distribuição: Something Great

Apoio: Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro / Secretaria Municipal de Cultura, Espaço Cultural Sítio Canto da Sabiá, Instituto Villa-Lobos UNIRIO

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